Em São Paulo hoje, existem aproximadamente 96.000 imigrantes. A maior parte destes são bolivianos que chegam no Brasil para trabalhar na indústria têxtil, em oficinas de costura com pouca ou nenhuma infraestrutura de segurança. A Plano CDE, em parceria com a Aliança Empreendedora e seu projeto Tecendo Sonhos, realizou um estudo com alguns destes imigrantes, para entender, dentre vários desafios inerentes à vinda a outro país, a organização e acesso a instrumentos financeiros deste público em situação de alta vulnerabilidade. A literatura[1] mostra que inclusão financeira é um dos fatores que podem impactar o bem-estar de famílias da base da pirâmide, desde que pensada como uma combinação de acesso com uso com qualidade de instrumentos financeiros.

 

PESQUISA

A pesquisa foi desenhada como um estudo etnográfico, em que visitamos oficinas de costura de beneficiários do programa Tecendo Sonhos para entender toda a trajetória de vinda para o Brasil, o início como costureiros e a transição para donos de oficinas. O primeiro achado é que a imigração ocorre quando há falta quase absoluta de capital financeiro no país de origem. Grande maioria dos entrevistados (e de seus conhecidos) veio para o Brasil financiado informalmente pelo dono de uma oficina – em geral, um parente ou conhecido distante. Além de iniciar a trajetória sem capital financeiro, imigrar inclui a perda de dois outros importantes capitais: o social e o cultural. Ao emigrar, os bolivianos que aqui chegam se deparam com a total ausência de uma rede de apoio (capital social). Essas redes são fundamentais para garantir acesso a melhores oportunidades de emprego, a serviços públicos e a uma assistência social, mesmo que informal (na forma de ajuda entre conhecidos). O imigrante se vê, ao chegar, totalmente dependente do dono da oficina que financiou a sua vinda.

Nessa ausência de três capitais (econômico, social e cultural), o imigrante recém-chegado é dependente do dono da oficina em três eixos:

  • Tem dívidas com o dono, que controla o seu dinheiro (capital econômico)
  • Não conhece ninguém na cidade/país (capital social);
  • Não possui noções básicas sobre custos de vida, sobre a língua ou onde buscar ajuda (capital cultural).

 

REALIDADE DO EMPREENDEDOR

O costureiro que chega passa a viver na casa/oficina de seu patrão. Muitas vezes, não chega a receber os salários combinados. Isso porque, ao fechar o mês, o dono da oficina primeiro paga o aluguel do espaço, depois desconta dos “moradores” o valor de sua alimentação e contas da casa e só se houver sobra faz o pagamento. O estudo constatou que a situação do dono da oficina não é melhor que a do costureiro. A trajetória do dono de oficina inicia-se como costureiro, sem acesso a noções de custo de vida na cidade, e juntando o pouco dinheiro que recebe “embaixo do colchão”. A compra da primeira máquina e aluguel do primeiro espaço são vistos como importantes conquistas. Mas o início dos trabalhos demonstra que o pagamento dos aluguéis, da parcela das máquinas e, quando possível, dos salários dos funcionários, consome todo o faturamento da oficina. Como resultado, o imigrante independizado[2] se vê sem rendimentos próprios. Ou seja, ao independizarse de seu antigo patrão, o imigrante finalmente se vê dependente de uma cadeia produtiva que ele não entende. Em sua nova oficina, não tem poder de negociação com seus clientes, está endividado pela compra das máquinas, tem custos que não conhecia quando costureiro (aluguel, alimentação, contas da casa), e pouco conhecimento do seu lugar na cadeia produtiva (muitas vezes, são terceirizados, “quarteirizados” ou até “quinterizados”).

 

OS DESAFIOS

Essa trajetória marcada pelo baixo conhecimento e baixa formalização é cheia de usos informais de soluções financeiras: empréstimo com conhecidos, patrões ou empregados; poupança em dinheiro em casa; pagamentos em dinheiro para evitar formalização e taxas dos adquirentes. Todos esses processos envolvem diversos riscos monetários e de violência. Alguns chegam a atravessar a cidade em transporte público com alguns milhares de reais, após receberem de seus clientes – mesmo quando possuem contas bancárias. Mas há uma exceção em esse mar de informalidade financeira: remessas para a Bolívia são quase sempre realizadas por meio de instituições formais (More, Western Union, entre outras). No caso destas remessas, os imigrantes percebem o valor das transações formais, pela segurança e velocidade das transferências – o que não ocorre no uso de instrumentos no Brasil, em que os custos não parecem compensar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo foi capaz de mapear diversos desafios de formalização, organização e inclusão financeira para os imigrantes que empreendem na indústria têxtil em São Paulo. Os principais aprendizados resumem-se na necessidade de construir redes de apoio para o imigrante recém-chegado, de forma a diminuir a alta dependência destes com os seus patrões. O mesmo deve continuar ocorrendo após a compra da oficina. A formalização de instrumentos financeiros ocorrerá quando imigrantes perceberem valor nestes serviços – com redução de custos, aumento de segurança e maior facilidade de acesso a clientes mais responsáveis. O apoio ao empreendedor não pode estar limitado a apenas um aspecto dos desafios do imigrante.

[1] Ver GONZALEZ, Lauro (2011), disponível em <https://www.bcb.gov.br/pre/boletimrsa/BOLRSA201109.pdf>

[2] O termo “independizarse”, em espanhol, é utilizado pelos imigrantes que adquirem a própria oficina.

 

Clique no botão abaixo para baixar a pesquisa na íntegra.