Você sabia que aproximadamente um pouco mais de um terço da população adulta brasileira está à frente de alguma atividade empreendedora?

No Café com Empreender 360 de número 45 discutimos os resultados apresentados no relatório executivo do GEM 2019 e fazemos aqui um resumo. Estima-se que 53,5 milhões de pessoas estão envolvidos na criação de novo empreendimento, consolidando um novo negócio ou realizando esforços para manter um empreendimento já estabelecido. Este é o segundo melhor patamar total de empreendedores (38,7% da população adulta, entre 18 e 64 anos) desde 2002, primeiro ano da série histórica desta variável.

Quem revela este número é o programa de pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que tem abrangência mundial e é uma avaliação anual do nível nacional da atividade empreendedora. A pesquisa é conduzida pelo IBQP e SEBRAE. Atualmente, no mundo, o GEM é o maior estudo contínuo sobre a dinâmica empreendedora. O programa da pesquisa envolve uma exploração do papel do empreendedorismo no crescimento econômico nacional e revela a riqueza das características associadas com a atividade empreendedora. A pesquisa pode ser considerada única, pois enquanto a maioria dos dados sobre empreendedorismo mede novas e pequenas empresas, o GEM estuda, em nível detalhado, o comportamento dos indivíduos com respeito à criação e gerenciamento de novos negócios, sejam eles formalizados ou não.

No último relatório executivo divulgado, o GEM apontou que, em 2019, o Brasil atingiu 23,3% de taxa de empreendedorismo inicial, considerada a maior marca até agora. Analisando a série histórica, observa-se um aumento do empreendedorismo inicial principalmente em períodos de recessão, como os que ocorreram entre 2008-2010 e 2014-2016. Em 2019 tivemos uma retomada da economia e do otimismo no meio empresarial e financeiro, mas também uma tímida redução nas taxas de desemprego, o que pode explicar o aumento dos empreendimentos nascentes. Consideram-se empreendedores iniciais os empreendedores nascentes, aqueles que “estão envolvidos na estruturação de um negócio do qual são proprietários, mas que ainda não pagou salários, pró-labores ou qualquer outra forma de remuneração aos proprietários por mais de três meses”, e os empreendedores novos, que “são proprietários de um novo negócio, que pagou salários, pró-labores ou qualquer outra forma de remuneração aos proprietários por mais de três meses e menos de 42 meses (3,5 anos)”.

Por outro lado, observou-se uma queda nas taxas de empreendedores estabelecidos, que “são aqueles que administram e são proprietários de um negócio tido como consolidado, que pagou salários, pró-labores ou qualquer outra forma de remuneração aos proprietários por mais de 42 meses”. Esta taxa teve seu pico histórico em 2018 e, em 2019, retornou ao padrão observado em 2016 e 2017. Sua diminuição pode ser explicada pelas dificuldades que estes empreendedores enfrentaram no último período de crise (endividamento, inadimplência, forte queda da demanda etc).

Quanto às motivações dos brasileiros e brasileiras para iniciar um negócio, em 2019, o GEM não utilizou os termos “por necessidade” e “por oportunidade”. As opções de respostas foram ampliadas para quatro afirmações e os empreendedores iniciais podiam escolher com qual(is) concordavam:

  • Para ganhar a vida porque os empregos são escassos —————— 88,4%
  • Para fazer diferença no mundo ——————————————-  51,4%
  • Para construir uma grande riqueza ou uma renda muito alta ——— 36,9%
  • Para continuar uma tradição familiar ———————————— 26,6%

Além disso, 26% dos empreendedores responderam afirmativamente que a primeira opção foi a única motivação para começar um negócio, diferentemente das outras 3, que não têm mais de 2% cada uma como resposta exclusiva. Estes dados evidenciam que, apesar da inovação nas nomenclaturas, a motivação “ganhar a vida porque os empregos são escassos” expressa o mesmo sentido de empreender por necessidade e continua sendo a principal motivação para empreendedores iniciais. 

Perfil do empreendedor brasileiro

O GEM também tem o objetivo de analisar “as variações na intensidade da atividade empreendedora entre os estratos que compõem variáveis sociodemográficas, como sexo (masculino e feminino), faixa etária (25 a 34 anos, por exemplo), escolaridade (ensino médio completo, por exemplo) e renda familiar (mais de 1 até 2 salários mínimos, por exemplo)”. Destacamos aqui apenas alguns aspectos que chamam a atenção.

Entre homens e mulheres, a maior diferença se dá na taxa dos empreendedores estabelecidos. Apesar de não existir diferença quando se trata de empreendedorismo inicial, os homens tem mais representatividade entre os negócios com mais de 3,5 anos. “Esse tem sido um retrato constante da face do empreendedorismo brasileiro ao longo dos anos”. O relatório da pesquisa apresenta dois possíveis principais fatores:

  • Devido ao histórico de presença maior de homens na atividade empreendedora, criou-se um “estoque” de empreendedores estabelecidos e mesmo com o aumento da participação das mulheres na atividade empreendedora, assim como em outras posições no mercado de trabalho, a presença delas em negócios estabelecidos ainda não se equipara a presença masculina.
  • Na passagem dos empreendedores iniciais para o empreendedores estabelecidos, parece haver um nível maior de abandono de mulheres do que de homens. Isto, por sua vez, pode estar associado à fatores como uma concentração maior de mulheres em atividades como “serviços domésticos”, em que as taxas de abandono tende a ser muito alta; a busca do empreendedorismo como um bico em momentos de piora da renda familiar, com o posterior abandono quando há uma melhora da renda familiar; outros aspectos socioculturais, como o maior envolvimento das mulheres com as obrigações do lar.

Em relação a renda familiar dos empreendedores e empreendedoras, os dados do GEM continuam refletindo a desigualdade socioeconômica brasileira, onde um grande contingente ganha pouco e um pequeno contingente ganha muito. Os dados de 2019 mostram que, proporcionalmente à população com a mesma faixa de renda, a intensidade no envolvimento com o empreendedorismo em estágio inicial é maior entre os que têm renda familiar superior a 6 salários mínimos. Porém, em números absolutos, os empreendedores iniciais com renda familiar de até 2 salários mínimos são 14 milhões, quase 3 vezes mais que os 3,6 milhões de empreendedores com renda familiar acima dos 6 salários mínimos. Entre os negócios consolidados, as taxas não são diferentes: entre as famílias com renda de até dois salários mínimos, a taxa é de aproximadamente 13,5%. E, entre os adultos que pertencem a núcleos familiares cuja renda é superior a seis salários mínimos, 24,6% desses são empreendedores estabelecidos. Ou seja, em famílias com maior renda, as chances do negócio durar mais de 3,5 anos são maiores.

Características e ambiente empreendedor

“No Brasil, em 2019, o setor de serviços respondeu por mais de 76% dos negócios liderados por empreendedores em estágio inicial. Entre os estabelecidos, essa proporção foi um pouco menor, de 61%.” Na comparação entre iniciais e estabelecidos, observa-se uma tendência de aumento no setor de serviços em comparação ao setor industrial. O GEM considera como atividades industriais as que o “processo de transformação é muito simples e de baixa intensidade tecnológica, como confecção de alimentos, produção de peças de vestuário ou pequenos objetos manufaturados.”

Sobre a geração de ocupação, os dados corroboram com o empreendedorismo sendo uma das principais alternativas para o desenvolvimento econômico e social. Apesar de uma característica marcante do empreendedorismo brasileiro ser o “autoemprego”, estima-se que os 30 milhões de empreendedores em estágio inicial geraram ocupação para aproximadamente 18 milhões de pessoas. Já entre os 22 milhões de empreendedores com negócios estabelecidos, nos quais as taxas de geração de ocupação para, no mínimo, uma pessoa além de si próprio, são um pouco maiores (36,9% contra 28,2% dos iniciais), foram gerados outros 18 milhões postos de trabalho.

O GEM também traz dados sobre formalização. Observa-se expressivo crescimento de empreendedores formalizados, mas o que destacamos são os dados sobre as razões alegadas para a obtenção ou não do CNPJ. Observando as principais razões alegadas pelos empreendedores, concluímos o fator ético e de conscientização é muito mais relevante do que motivos legais:

  • Estar regularizado ————————————————————— 73,5%
  • Contribuir à previdência ——————————————————-  31,4%
  • Exigência dos clientes quanto à emissão de nota fiscal———————- 23,2%
  • Exigência da empresa onde trabalhava para se tornar terceirizado ——- 11,2%

A informalidade continua sendo a situação da maioria dos empreendedores (73,6%), dos quais a maioria diz não ver vantagem na formalização do seu empreendimento:

  • Não vê necessidade ——————————————————————- 27,4%
  • Formalização custa caro ————————————————————-  17,2%
  • Não sei se vou continuar com este negócio por muito tempo——————– 12,5%
  • Atividade não exige CNPJ/possui outro tipo de registro alvará, licença ——- 12,4%
  • Não tenho como pagar impostos ————————————————— 8,0%

Em ambas questões acima, os empreendedores podiam escolher mais de uma opção.

Na pesquisa de 2019, o GEM também traz“especialistas” selecionados para indicar, de forma espontânea, os fatores que consideram mais favoráveis ao empreendedorismo no Brasil e também os fatores que consideram os mais limitantes. Damos destaque aqui ao fator favorável mais citado, a “capacidade empreendedora”, que refere-se aos traços da personalidade, como a criatividade e a capacidade de se adaptar a situações adversas. Lembramos que essas não são características natas e que qualquer pessoa pode desenvolver suas capacidades empreendedoras.

Já em relação aos fatores limitantes para a abertura e manutenção de novos negócios, os especialistas destacam principalmente as “políticas governamentais”. Este fator está relacionado à burocracia, à carga tributária, à complexidade no processo de pagamento dos impostos e obrigações acessórias. Soma-se a isso o fator “clima econômico, contexto político, institucional e social e corrupção”.  Para eles a corrupção, a instabilidade econômica, o alto custo de capital, as mudanças constantes na legislação, as incertezas do ambiente político, a falta de confiança nas instâncias de poder, a demora e a dificuldade em realizar as reformas necessárias (previdência e tributária) afetam constante e negativamente o êxito do empreendedorismo no país. Por último, destacam o acesso (ou a falta de) à “apoio financeiro”. Falamos recentemente sobre este tema aqui no Empreender 360 e você pode ler aqui e aqui.

Os mesmos especialistas apresentaram recomendações, que giram, principalmente, em torno “políticas governamentais” e “educação e capacitação”.

  • Em Relação às políticas governamentais: um novo sistema tributário, mais simples e reduzido, deve assegurar e estimular a ambição pelo crescimento dos negócios; revisar as legislações consideradas obsoletas, contraditórias ou inadequadas para a realidade atual e futura; e assegurar a estabilidade dos programas de apoio operacional e financeiro ao empreendedorismo.
  • Em Relação à educação: Instituir como política de Estado a formação empreendedora, direta ou transversal, priorizando a formação técnica, tecnológica e científica nos diferentes níveis educacionais; conceber a educação empreendedora como um instrumento de ascensão social e desenvolvimento pessoal, que chega a todas as classes sociais.

A população também foi consultada pelo GEM sobre ações para estimular o empreendedorismo. Em geral, os fatores limitantes e as recomendações de especialistas e da população convergem para os mesmos temas:

E o panorama de todos esses dados para 2020, como fica? O ano atual está completamente à típico e trazendo novas conjunturas. Em entrevista a revistas PEGN, o presidente do Sebrae, Carlos Melles, comentou que “com um dos resultados da pandemia do novo coronavírus, acreditamos que neste ano de 2020, o grupo dos empreendedores iniciais cresça e atinja o novo recorde histórico, com uma proporção de 25% do total da população adulta. Este número, segundo nossa projeção, será puxado pelas mulheres, pelas pessoas negras, em geral, os grupos que mais costumam ser afetados pelo crescimento do desemprego”. Fato que reforça a importância de políticas e os programas voltados ao empreendedorismo que atinjam todos os cantos do país e os mais diversos perfis de empreendedores e potenciais donos e donas de negócios.