José Henrique é gestor público e atuante na área de advocacy. Em entrevista ao Empreender 360, ele abordou a importância e algumas estratégias da incidência política no Brasil. Segundo José, é essencial acompanhar o trabalho dos candidatos e futuros gestores. Só apresentar demandas não basta.

Se você procurar pela definição do termo “advocacy” poderá encontrar associações ao exercício da advocacia. Embora não seja errônea essa vinculação, o advocacy vai além disso: pode parecer ser um instrumento jurídico, mas atualmente possui um caráter mais político. Pode ser considerado a defesa e a argumentação em prol de uma causa.

“Uma das formas de atuação do advocacy é interferir diretamente numa legislação, seja num curto, médio ou longo prazo, para alterar as ‘regras do jogo’ para uma determinada agenda de interesse público”, explica José Henrique Nascimento, gestor público e head de causas do Centro de Liderança Pública (CLP).

A publicação Advocacy na prática: caminhos e aprendizados ao fazer incidência política, lançada há alguns meses pelas organizações Conectas e Missão Paz, com apoio da Laudes Foundation e produção da Entremeios, aponta que quanto mais as políticas públicas forem feitas com a participação de quem de fato vivencia e compreende determinada situação, mais as chances de se produzirem políticas que atendam às necessidades reais da população. 

Em entrevista, José Henrique traz projeções para o ano de 2022 no campo da incidência com candidatos a cargos públicos e destaca como o cidadão e as organizações da sociedade civil podem levar as suas pautas para essas pessoas. O especialista ainda propõe passo a passo para o desenvolvimento de ações de incidência. 

Eis a entrevista:

E360: Um ano eleitoral como este de 2022 costuma ser marcado pela tentativa de incidência da sociedade civil organizada nos planos de governo dos candidatos ao Executivo e ao Legislativo federal. Mas além de pautar os planos de candidaturas, como a população e as organizações podem se articular? 

José Henrique: De fato, uma campanha está muito relacionada à defesa de interesses. Um cidadão individual vai defender o seu interesse próprio: uma rua que não está asfaltada, a falta de uma creche ou escola. E isso será defendido pelas pessoas físicas frente a um candidato. Algo semelhante ocorre com as pessoas jurídicas, pautadas por seus fundadores, doadores e mantenedores. Naturalmente, o processo mais comum de intervenção/influência das campanhas se dá nos apontamentos das questões que são mais importantes para cada organização e/ou pessoa.

Interessante perceber que ao longo dos últimos anos movimentos diversos têm pautado as campanhas eleitorais de forma diferente. Principalmente aquelas organizações que defendem mais transparência e controle social, elas observam mais a trajetória dos mandatários que estão disputando a eleição (quanto trabalhou, quanto propôs e o que propôs) para ajudar a elucidar a população sobre quem é aquela pessoa, assim como novatos na vida pública têm passado por esse processo de ser observado.

Mais do que pautar uma candidatura ou um plano de governo é interessante observar em quem as pessoas estão votando. Também outras organizações da sociedade civil têm se preocupado em olhar para a formação desses candidatos, para que entrem preparados para exercerem os seus mandatos. 

Sinto, então, que as organizações do terceiro setor, mais do que bater na porta de cada candidato e partido, e dizer: ‘isso daqui é importante”, defendendo a sua agenda, são fundamentais, para que consigamos ter um Congresso mais ativo, limpo, objetivo e preparado para enfrentar os problemas do país, que a população se mobilize e acompanhe aqueles que estão candidatos.

E360: Quais os grandes desafios do ano de 2022 para quem faz advocacy? E ao pensar na mudança da legislatura federal, quais são os cuidados e oportunidades para organizações que atuam com advocacy no Congresso Nacional? Seria, por exemplo, o momento de levar uma pauta aos deputados?

José Henrique: As campanhas basicamente já começaram. E tendo em vista que as instituições que atuam com o advocacy buscam influenciar a alteração e aprovação de projetos de lei, esse é um ano de tempo de legislatura reduzido e de produtividade baixa. Caso você atue em uma instituição que trabalhe para aprovação de uma lei, o ano eleitoral é o pior para você ter efetividade em suas ações. Os anos eleitorais já são desafiadores por si só.

O cuidado principal é não queimar cartucho, que é investir muito tempo e suor para aprovação de sua agenda no ano eleitoral. É basicamente uma perda de tempo. Se a pauta não for uma prioridade dos presidentes das assembleias, Câmara ou Senado, dificilmente ela avançará. Por isso, recomendo pensar: a minha pauta pode ser apresentada na próxima legislatura?

Dicas do especialista 

Se a decisão, em um ano eleitoral, for de pautar a próxima gestão legislativa, José elenca algumas dicas que resultarão num longo ano de trabalho com as candidaturas. “Os seis primeiros meses de um ano eleitoral é de planejamento, reflexão e de consolidação de uma agenda para os próximos quatro anos”, explica. Confira:

  • Faça um planejamento com uma agenda pré-estabelecida;
  • Defina o que você quer trabalhar nos próximos quatro anos (período de um mandato no Congresso Nacional, câmaras municipais, assembleias estaduais);
  • Dialogue com os mandatos de senadores, deputados federais e estaduais, e vereadores. Mostre que a sua pauta é fundamental, seja para a sua localidade  de atuação, para que o país avance ou para que consigamos resolver um problema público. 
  • Com essa agenda pronta e entregue aos candidatos, você consegue ser mais produtivo naquilo que você e a sua instituição almejam;
  • Após as eleições e com o início da legislatura, a instituição terá que trabalhar com os parlamentares e as casas legislativas para o andamento da pauta.

E360: Quando se fala em advocacy, muitas vezes, isso remete logo a um trabalho com a Câmara, o Senado ou organismos internacionais. Mas qual a importância desse instrumento nos municípios para a ativação de políticas públicas?

José Henrique: O advocacy, do ponto de vista prático, possui basicamente duas grandes frentes de atuação. A primeira eu chamo de ‘top down’, na qual há uma atuação direta no Congresso Nacional ou nas estruturas legislativas dos entes federativos. E tem o processo de advocacy que tratará dos interesses privados. A grande diferença então é o público e o privado. Ambas as atividades são legítimas desde que cumpram as legislações.

Uma das formas de atuação do advocacy é interferir diretamente numa legislação, seja num curto, médio ou longo prazo, para alterar as ‘regras do jogo’ para uma determinada agenda de interesse público. Ou para a construção do que eu chamo de ‘bottom-up’, que seria a construção de capacidade. Essa segunda estratégia leva mais tempo do que interferir ou influenciar a alteração de uma lei, mas ela é mais efetiva pensando a longo prazo.

Essa construção de ‘bottom-up’ é a que trata da criação de capacidade com os stakeholders e players (pessoas envolvidas na causa ou agenda). No caso do empreendedorismo, o ‘bottom-up’ se daria diretamente com os microempreendedores, aquelas pessoas que estão lidando com essa questão no dia a dia. Nessa modalidade temos a participação ativa de atores de implementação local e redes de relacionamento.

E360: O Empreender 360, ao longo dos últimos tempos, fez um longo trabalho de escuta e proposições para o aperfeiçoamento de uma política pública, a do MEI. No campo de incidências, faltam mais projetos propositivos e não apenas a cobrança de ações?

José Henrique: A pauta do MEI é um assunto especial para a economia brasileira. Ele representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje o que é discutido no âmbito federal está muito relacionado ao macro dos problemas, e sem dúvidas, as proposições de pautas se dão justamente a partir da identificação dos problemas que as pessoas passam no cotidiano, como questões relacionadas a crédito, dívidas, renegociação para que seus negócios não fechem.

Os MEIs são uma parcela relevante da economia, e proposições como essas, que tratem de fato de resolução de problemas, poderiam ser muito mais interessantes do que de fato ficar cobrando ações em relação aos macroproblemas dos microempreendedores individuais do Brasil, por exemplo.