A série de webinários promovido pelo Empreender 360 e Bank Of America, em parceria com a Firgun e Integração, debateu a inclusão empreendedora nas cidades. Nesta edição inédita de webinários, estamos falando sobre os pontos de alavancagem para o desenvolvimento de empreendedores de baixa renda, que estão colocados na nossa Carta Compromisso. Esta foi criada com representantes do governo, empresas e sociedade civil, e estabelece diretrizes para a criação de  soluções, fomentando o empreendedorismo e economia local, com um olhar especial para as eleições 2020. Nesta série, juntos com vários especialistas e empreendedores do ecossistema, criamos uma oportunidade para esclarecermos as necessidades e apresentar ideias de desenvolvimento social e econômico.

Neste terceiro webinário, o tema foi o pilar de “Inclusão Financeira”: a cidadania financeira prevê o acesso a serviços financeiros de qualidade, coerentes com a realidade das pessoas empobrecidas, feito de forma educativa?. Lemuel Simis (Firgun), Leonardo Firmo (CEAPE-BA), Lauro Gonzalez (FGV) e João Souza (FA.VELA) comentam sobre os mecanismos de financiamento e acesso a microcrédito como forma de potencializar o crescimento, desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida de quem está à frente do próprio negócio.

João Souza, presidente e diretor de inovação do FA.VELA, fellow da Ford Fellowship ganhador da medalha Inconfidência de Minas Gerais em 2017, contou brevemente em sua fala de abertura como a organização surgiu em 2014 e se especializou para capacitar microempreendedores na periferia da Grande Belo Horizonte na perspectiva de letramento financeiro e empreendedor, criando metodologias de capacitação e incluindo também um olhar para a tecnologia e seu papel de reinventar mercados e serviços. Eles também realizam projetos sob demanda para investidores.  

Leonardo Firmo, professor da Universidade de Feira de Santana e gerente técnico de acesso a crédito do Centro de Apoio aos Pequenos Empreendedores da Bahia (CEAPE), com 20 anos de experiência junto a sua equipe, falou sobre a importância do microcrédito. O professor ressalta que o Brasil ainda possui 5 milhões de pessoas sem acesso a crédito segundo a FEBRABAN (2019). Inspirado no trabalho de Muhammad Yunus, fundador do primeiro banco de microcrédito do mundo em 1976, o Grameen Bank, a primeira experiência brasileira em microcrédito foi em UNO, nos estados de Pernanbuco e Bahia. A mudança de paradigma ocorre com o crédito solidário, que difere do crédito individual por ser concedido a um grupo de cinco pessoas que se responsabilizam mutuamente pelos empréstimos. A análise e o acompanhamento dos empréstimos são feitos por um Agente de Crédito especialmente capacitado para esta função, seguindo a metodologia Grameen.   

Leonardo destaca a importância do trabalho de acesso a crédito, que compara a um beija flor tentando apagar um incêndio na floreta: uma gota de água de cada vez. Seguindo este modelo, o Ceape foi criado como OSCIP em 1994 com o objetivo de criar e fortalecer ocupação, emprego e renda em pequenos empreendimentos, colaborando para o exercício da cidadania daqueles que trabalham em seus próprios negócios, trabalhando sua auto imagem como empresários, no sentido de adotar uma estratégia e viabilizar soluções.  

Como OSCIP, ele destaca não haver um dono e sim um conselho de gestão formado por pessoas e a matriz se localiza em Feira de Santana, com mais 4 escritórios locais, abrangendo 50 cidades, com enorme potencial de crescimento, limitado sobretudo pelos custos de deslocamento dos Agentes de Crédito. Os resultados mostram que cada cliente gera de 3 a 5 empregos. 

O principal produto é o Microcrédito Produtivo Orientado, que significa que não é apenas um empréstimo, mas uma relação de parceria entre o cliente e a instituição, que busca orientá-lo em seu plano de negócio. A parceria é chave para o sucesso da empreitada, sobretudo durante a crise do Covid, pois o recebimento ficou acima de 85%: mesmo na dificuldade o cliente escolheu pagar o CEAPE.  

CEAPE em Números 

Já atendeu mais de 12 mil empreendedores, sendo 63% mulheres, com 4 mil clientes ativos hoje. 90% dos empréstimos realizados na modalidade grupo solidário, com um crédito médio de R$ 1.200,00 reais. Os setores beneficiados são comércio (65%), serviços (35%) e indústria (5%). 40% dos clientes não possuem conta em banco e 70% utilizam cartão de crédito. 60% apontam dificuldade no uso de tecnologia, como aplicativos e 30% possuem CNPJ. São dados interessantes que evidenciam os desafios da inclusão financeira.  

Mas por que as pessoas não possuem conta em banco? Segundo pesquisa do Ceape, os principais motivos são o desemprego, a falta de educação financeira, as oscilações de renda e a falta de confiança nas instituições bancárias. Neste último quesito, Leonardo ressalta como é forte a percepção de que contrair um empréstimo é algo negativo e não uma maneira de alavancar um negócio, uma barreira cultural que o Ceape tenta mudar ao insistir que um crédito bem investido vai trazer crescimento, podendo ser um remédio para um problema ou um veneno para o negócio. 

O mediador Lemuel Simis,  co-fundador da Firgun, que trabalha desde 2017 com acesso a microcrédito, sem grandes burocracias,  destaca que a regulamentação do microcrédito no Brasil exige que ele seja produtivo e orientado e observa que a alta incidência do uso de cartão crédito faz com que os empreendedores sejam induzidos a utilizá-lo como capital de giro, com juros muito maiores que o microcrédito produtivo. Historicamente, o setor financeiro não dá a devida atenção aos que mais necessitam de acesso a crédito de forma justa e orientada. 

Sobre o processo de institucionalização do microcrédito no Brasil, João afirma que ele é “um grande Frankstein” pois a experiência de outros países revela uma estrutura mais unificada para conceder crédito. O caso do Ceape, especializado em orientar a tomada de empréstimo, acaba por desnudar a falta de preparo de outros atores financeiros fundamentais como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, que não dedicam atenção e não simplificam processos: “onde tem mais dinheiro é mais difícil de pegar dinheiro”. Outro exemplo é o caso do Banco Palmas, que revela as limitações do lastro de crédito de um banco comunitário bem como a pressão que sofre de grandes players financeiros. Nesta chave, ele crítica a política de microcrédito por não ter sido criada com o intuito de atender as demandas de experiências como a do Leonardo, de forma participativa, e sim para que grandes bancos pudessem oferecer o serviço.  

Leonardo coloca também as dificuldades trazidas pelo fato do Ceape ser uma OSCIP, que os impede de ter acesso a informação sobre os clientes como uma instituição financeira, bem como o limitado acesso a fundos de investimentos, que torna seu crédito menos competitivo. 

Em relação à burocracia ao acesso a crédito, João acha que infelizmente o microcrédito ainda é procurado em uma situação emergencial, para salvar um negócio, e não dentro de uma estratégia mas termina por ressaltar o fator humano do microcrédito assistido 

Sobre políticas públicas, João acha que a população não tem clareza sobre o papel dos vereadores, do legislativo, e enxerga os candidatos em seu  papel de lideranças comunitárias. Para ele, pessoas que tocam trabalhos sociais poderiam criar organizações para melhor atender a população, mas não necessariamente vão ser bons legisladores para todo o município.  

Lauro Gonzalez é referência acadêmica no Brasil no tema de microfinanças , professor da FGV, membro do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo e coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da mesma instituição mas infelizmente não conseguiu participar do webinário devido a problemas de conexão.