Símbolo dos avanços laborais, o Dia do Trabalhador é comemorado mundialmente no dia 1º de maio. Porém, mesmo com um século de avanços conquistados, os desafios ainda são imensos. Com a crise econômica e política brasileira, a taxa de desemprego permanece sempre alta, fazendo com que muitas pessoas se submetam ao trabalho informal – entre elas, vários imigrantes que chegam ao país em busca de melhores condições de vida.

Devido ao grau de vulnerabilidade social e econômica, muitos aceitam trabalhos -precários, em diversos tipos de negócio, que configuram como escravidão contemporânea. Em São Paulo, por exemplo, estima-se que vivem cerca de 400 mil imigrantes latino-americanos, muitos dos quais trabalham com pequenas confecções de costura.

Essas oficinas são frequentemente informais para atender o consumo desenfreado de roupas com baixo custo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), 80% do consumo de roupas no País é proveniente de pequenas e médias confecções e só 20% vem do grande varejo.

Não é difícil ouvirmos que os imigrantes não são bem-vindos porque ocupam vagas de trabalho de nossos compatriotas. Normalmente, esse discurso é direcionado para aqueles que têm baixa escolaridade, menor poder aquisitivo e são de origem negra ou indígena. Não se questiona, por exemplo, a “concorrência” de imigrantes brancos com alta escolaridade provenientes de países de origem europeia e norte americana.

Dados da Polícia Federal mostram que em 2018, mesmo com o aumento de refugiados venezuelanos no País, a quantidade de brasileiros que saíram do País foi maior do que o número de pessoas de outras nacionalidades que entraram – 252 mil migraram enquanto apenas 94 mil imigraram. Somente 0,7% da nossa população é imigrante, quantidade abaixo da média mundial, que é de 3%.

Temos ainda outro dado do Instituto Ipsos que reforça um olhar distorcido sobre a população imigrante no Brasil. Em 2018, os brasileiros tinham uma percepção de que 27% da população era composta por imigrantes, apresentando uma das maiores distorções da realidade de todos os países pesquisados.

Os dados citados nos levam a refletir sobre como o imaginário dos brasileiros ainda relaciona as temáticas imigração-trabalho com preconceito e sem conhecimento em profundidade sobre o tema.

Aqui fica a reflexão: ao mesmo tempo que muitas pessoas não querem receber esses imigrantes, continuam consumindo as roupas que eles produzem, adquirindo os produtos por valores baixos. São esses trabalhadores imigrantes que pagam as contas quando há o consumo de, por exemplo, uma blusa de R$ 20 ou R$ 30. Por conta disso, eles precisam trabalhar por volta de 15 horas diárias em condições e ambientes muito precários. Dessa forma podemos pensar qual é a nossa responsabilidade como consumidor quando analisamos essa cadeia de consumo? Qual deveria ser a nossa postura ao receber esses imigrantes em nosso País?

Aliás, jornadas exaustivas de trabalho têm sido o ponto central nessa discussão. A conquista da jornada de oito horas diárias é uma das maiores comemorações do Dia do Trabalhador. Porém, muitos imigrantes ainda precisam trabalhar mais que o dobro por dia para atender ao consumo desenfreado de roupas.

É responsabilidade de todos apoiar iniciativas que recebem os imigrantes e os apoiam na inserção no mercado de trabalho de forma digna, bem como repensar a forma com a qual consumimos artigos de vestuário. É possível promover relações justas de trabalho na moda por meio do empreendedorismo, da regularização das oficinas, da mudança na lógica de mercado e de consumo de roupas.

Autora: Cristina Filizzola é psicóloga, gerente de projetos sociais e de empreendedorismo desde 2002. Diretora da filial da Aliança Empreendedora em São Paulo e coordenadora do programa Tecendo Sonhos, que promove relações de trabalho dignas na indústria têxtil.