Parece óbvio, mas não é. Durante a semana de 1 a 4 de outubro, em Washington DC, foi realizado o Summit Global de Oportunidades Econômicas para a Juventude (Global Youth Economic Opportunities Summit), organizado pela Making Cents. O pano de fundo é a atual situação em que se encontra a juventude a nível global. São 1.8 bilhões de jovens em um mundo em constante mudança, 1 em cada 7 está em busca de um emprego. Estima-se que 350 milhões de jovens não têm acesso a educação e emprego decentes.

Este é um dos eventos mais importantes do setor e uma referência quando o assunto é inclusão econômica para jovens. É um evento que todos os anos recebe cerca de 400 participantes, entre representantes de grande fundações internacionais, agências governamentais de assistência, grandes empresas interessadas no tema, redes globais de juventude e especialistas no tema para discutir e pensar em soluções para os desafios de empregabilidade e empreendedorismo para os jovens do mundo.

Mas assim como na maior parte dos eventos que estamos acostumados a estar, vemos pouca presença do público mais interessado, neste caso, os jovens.

Este evento me fez refletir bastante e gostaria de compartilhar algumas delas que ainda estão ressoando por aqui.

 

Aos jovens o que é dos jovens: Como já mencionei no início deste texto, uma das coisas que mais me chocou foi baixíssima participação do público interessado. Posso afirmar com tranquilidade que menos de 5% dos participantes do evento tinham menos de 30 anos de idade, e desses, menos da metade pertence ao público que estamos buscando beneficiar, o jovem de baixa renda. Quem conhece os organizadores deste evento sabe o quanto são comprometidos com a agenda de juventude e quanto tem mobilizado rede e recursos para acelerar jovens no mundo todo, e quanto são apaixonados pela causa. Então o que acontece?

Acontece que ainda vivemos em um mundo que valoriza a superficialidade e não a profundidade. Temos poucos patrocinadores que tem consciência da importância de investir pesado no custeio de passagens, hospedagem e alimentação para que o público-alvo posso estar presente e se fazendo ouvir nesses espaços. Infelizmente o modus operandi dos eventos tem sido reunir o máximo de “especialistas” com o mínimo de inconvenientes. Precisamos parar com isso de uma vez por todas, já deu o tempo em que projetos e políticas públicas se constroem em gabinetes com alguns “cabeções” pensando, não importa quão entendidos ou bem intencionados sejam. Seguir insistindo nesse modelo é insistir no erro, é loucura total. 

Não preciso nem dizer que as melhores sessões e painéis do evento foram aquelas em que os jovens estavam apresentando e colocando suas realidades e soluções. Em um desses painéis, um dos coordenadores de um grande programa de juventude disse a seguinte frase:  “Eu me recuso a participar de mais um evento de juventude que não tenha a juventude no centro da ação”.

 

Muita teoria e pouca noção de realidade: Outra armadilha na qual podemos cair facilmente quando fazemos eventos apenas com “especialistas” é perder a noção de realidade. Em uma das sessões do evento uma organização de pesquisa muito renomada apresentou os principais resultados e da última pesquisa que realizou sobre o que funciona, e o que não funciona no apoio a jovens empreendedores em economias emergentes. Eis que, umas das brilhantes conclusões do trabalho foi, que para ter melhores resultados é melhor rodar um processo seletivo e trabalhar com os jovens que de fato “tem chance” de dar certo. Oi?  Seguida da famosa frase, nem todos têm o que se precisa para empreender.

Aquelas afirmações me chocaram em tantos níveis que comecei a tremer de indignação. Ou seja, vamos seguir excluindo os excluídos, apoiar quem já teve oportunidade de se desenvolver e aí vai dar tudo certo. Fui a primeira pessoa a levantar a mão e discordar veementemente dessa maluquice que estava sendo falada ali, mas enfim, essa história conto outra hora.

A reflexão que fica é muito séria. Esta é uma organização que é consultada para desenho de projetos e políticas públicas no mundo todo, quando eles falam as pessoas escutam. Nós, como ecossistema de apoio temos a obrigação de conectar a teoria com a prática, temos a obrigação de fazer o jovem empreendedor ser ouvido, ser colocado no centro da discussão e defender ações e políticas condizentes com a realidade de 99% das pessoas, não só do 1% que “tem chance” de dar certo.

 

Os jovens vão liderar o caminho: Uma das coisas mais inspiradoras nesses encontros é ter a oportunidade de ouvir os jovens falar. Numa das sessões do evento, foram apresentados os principais resultados do Global Youth Opportunity Initiative (Iniciativa Global para a “Juventude oportunidade”).  É isso mesmo, o termo juventude oportunidade foi cunhado dando a entender que os jovens não são um problema a ser resolvido, mas estes jovens mais vulneráveis e que enfrentam hoje as piores barreiras, são os que tem a chave para resolver esse problema. Este programa é uma iniciativa do Aspen Institute em parceria com a Prudential, Accenture e Youth Build International. https://aspencommunitysolutions.org/global-opportunity-youth/

https://www.youthbuild.org/update/global-opportunity-youth-convening

Este programa inteiro foi co-construído com a participação de jovens de comunidades do mundo inteiro. Todos seus princípios, premissas, ações e estratégias foram desenhados a partir da construção coletiva com este jovens, e os primeiros resultados foram oficialmente apresentados por eles neste evento, uma jovem ativista Colombiana, um jovem empreendedor Keniano, um jovem do Sri Lanka, e uma jovem da área rural da Índia, que quase não foi ao evento porque não tinha com quem deixar os dois filhos. Isso é mundo real, isso é impacto real.

A reflexão que fica para nós que trabalhamos com desenvolvimento  é, será que estamos colocando as pessoas que estamos querendo impactar no meio da ação e no desenho da estratégia? Será que estamos envolvendo-os o suficiente, ou só achamos que estamos? Quais barreiras ainda precisamos superar para chegar nesse lugar ideal?